A saúde bucal é um aspecto essencial do bem-estar humano, mas nem sempre foi compreendida sob a ótica científica como hoje. Ao longo da história, diversas culturas ao redor do mundo desenvolveram superstições e crenças populares relacionadas aos dentes, muitas vezes tentando explicar fenômenos como dor de dente, queda de dentes ou erupção dos dentes em crianças com base em tradições, espiritualidade ou experiências coletivas. Esse universo de crenças revela muito sobre o modo como as sociedades interpretavam (e ainda interpretam) o corpo humano, o desconhecido e a cura.
Neste artigo, exploramos algumas das superstições e crenças mais curiosas sobre saúde bucal ao redor do mundo, desde rituais antigos até práticas ainda observadas em comunidades contemporâneas.
1. A Fada do Dente e Suas Variações Culturais
Uma das crenças mais conhecidas no mundo ocidental é a da Fada do Dente. Quando uma criança perde um dente de leite, ela o coloca debaixo do travesseiro à espera de uma pequena recompensa durante a noite. Embora essa tradição seja popular na América do Norte e na Europa, suas origens são uma mescla de antigas superstições que envolvem dentes infantis.
Na Escandinávia medieval, acreditava-se que dentes de leite tinham poderes mágicos e eram utilizados como amuletos de boa sorte em batalhas. Já em outras regiões da Europa, os dentes eram enterrados ou queimados para evitar que bruxas os usassem em feitiços.
Na Espanha e em países da América Latina, quem recolhe o dente não é uma fada, mas sim el Ratón Pérez, um ratinho simpático que troca o dente por moedas. Essas práticas refletem a tentativa dos pais de tornar o processo de perda dos dentes algo positivo e lúdico.
2. Enterrar os Dentes Para Dar Sorte
Enterrar dentes é uma prática comum em várias culturas. Em regiões da África, por exemplo, os dentes de leite são enterrados perto de casa como símbolo de prosperidade e proteção contra espíritos malignos. Acredita-se que, ao enterrar o dente no solo, a criança estará “plantando” saúde e força para o novo dente que nascerá.
No Japão, a tradição é mais específica: dentes de cima devem ser jogados para baixo (no telhado), enquanto os de baixo são lançados para cima (no chão ou sob o assoalho). Isso simboliza o desejo de que os novos dentes cresçam retos e fortes, em direção oposta ao que foi perdido.
3. Superstições Relacionadas à Dor de Dente
A dor de dente sempre foi motivo de temor e, antigamente, era frequentemente associada à presença de espíritos malignos ou vermes dentários. Antes da descoberta das bactérias, muitos povos acreditavam que dores nos dentes eram causadas por vermes que perfuravam os dentes internamente.
No Antigo Oriente Médio, textos sumérios já mencionavam essa teoria do “verme do dente”. Acreditava-se que rituais e orações poderiam expulsar esses vermes invisíveis. Algumas culturas aplicavam objetos quentes ou amuletos à bochecha para “afugentar” o espírito ou verme causador da dor.
Na Europa medieval, um dente dolorido era frequentemente tratado com simpatias ou rituais religiosos. Era comum usar dentes de animais como colares ou carregar relíquias de santos que prometiam curas milagrosas.
4. Dentes de Leite Como Proteção
Em algumas culturas asiáticas, dentes de leite não são descartados como lixo. No Nepal, por exemplo, os dentes caídos das crianças são guardados como talismãs para proteger contra doenças futuras. Na Índia, algumas famílias oferecem o dente perdido a um templo, pedindo bênçãos para o crescimento saudável da criança.
Além disso, acredita-se em várias tradições que dentes de leite trazem sorte, longevidade ou até fertilidade, quando utilizados em determinados rituais.
5. Sonhar com Dentes: O Presságio
Sonhar com dentes é um tema recorrente em diversas culturas, e suas interpretações variam bastante. No folclore ocidental, sonhar com dentes caindo é frequentemente interpretado como um sinal de ansiedade, perda de controle ou medo da morte.
Já no folclore chinês, esse tipo de sonho pode representar um alerta sobre problemas familiares ou de saúde. Em outras culturas, como em certas tribos africanas, sonhar com dentes pode ser visto como presságio de traição ou transformação espiritual.
6. Dentes Tortos e Crendices Ligadas à Personalidade
Em algumas culturas tradicionais, os dentes não apenas definem a estética, mas também o caráter e o destino de uma pessoa. Por exemplo, em partes do sudeste asiático, acreditava-se que crianças com dentes muito separados seriam grandes oradoras ou líderes, enquanto dentes tortos poderiam indicar impulsividade ou má sorte.
No antigo Egito, dentes perfeitos eram símbolo de status social e beleza divina. Já em certas tribos africanas, o uso intencional de limas para modificar a forma dos dentes não apenas tinha um valor estético, mas também espiritual e simbólico.
7. Crenças Ligadas à Erupção dos Dentes
A erupção dos primeiros dentes em bebês sempre foi cercada de ansiedade. Antes da medicina moderna explicar os sintomas comuns (febre leve, salivação, irritação), muitas culturas atribuíam esses sinais à ação de espíritos ou desequilíbrios cósmicos.
Na Idade Média europeia, acreditava-se que a dentição poderia levar à morte, e era comum amarrar ervas como arruda ou alho no pescoço da criança para protegê-la.
Em partes da África subsaariana, até recentemente, havia práticas que envolviam a remoção dos brotos dentários inferiores em bebês, sob a crença de que eles causavam doenças. Essas práticas são hoje combatidas por campanhas de saúde pública.
8. Amuletos e Simpatias para Proteger os Dentes
De norte a sul do mundo, não faltam simpatias para evitar problemas dentários. Em algumas regiões do Brasil, por exemplo, é comum que mães façam orações ou passem saliva na gengiva do bebê para aliviar o desconforto da dentição.
Na Itália, ramos de alecrim ou medalhas de santos protetores são pendurados no berço para afastar problemas orais. Já no México, o uso de fitas vermelhas contra o “mal de dente” ainda pode ser encontrado em comunidades rurais.
9. A Ciência Atual e o Desmonte dos Mitos
Com os avanços da odontologia, muitas dessas crenças foram deixadas de lado ou reinterpretadas. Sabemos hoje que higiene, alimentação, genética e acompanhamento profissional são os fatores determinantes para a saúde bucal. Ainda assim, compreender essas tradições é fundamental para respeitar a diversidade cultural e entender como a humanidade tentou, por milênios, cuidar da boca diante do desconhecido.
A presença contínua de algumas dessas crenças, mesmo que em formas adaptadas, mostra como o cuidado com os dentes vai além da medicina – ele também é carregado de simbolismo, emoção e cultura.
As superstições e crenças populares sobre a saúde bucal revelam muito mais do que simples tentativas de explicar o funcionamento do corpo. Elas falam sobre medos, esperanças, espiritualidade e identidade. Embora a ciência moderna tenha desmistificado muitas dessas práticas, o legado cultural permanece vivo, moldando tradições familiares e regionais.
Reconhecer e valorizar essas histórias é uma maneira de compreender a riqueza do conhecimento humano – tanto o empírico quanto o simbólico – e respeitar a diversidade de caminhos que a humanidade trilhou para preservar o sorriso.