A odontologia no Brasil percorreu um longo caminho desde os tempos coloniais, quando os cuidados bucais eram rudimentares e baseados em métodos empíricos, até os dias atuais, nos quais a profissão é reconhecida como uma das mais organizadas, científicas e respeitadas do país. Essa trajetória envolve personagens históricos, avanços educacionais, marcos legais e desenvolvimento tecnológico que transformaram a saúde bucal dos brasileiros e a própria percepção da profissão de dentista.
Este artigo apresenta uma visão ampla e cronológica da história da odontologia no Brasil, destacando seus períodos principais, os desafios enfrentados, as figuras notáveis que ajudaram a moldá-la e os avanços que posicionam o país como referência em diversas áreas da odontologia mundial.
Período Colonial (1500 a 1822): Os Primeiros Cuidados Orais no Brasil
Durante o período colonial (1500–1822), os cuidados com a saúde bucal eram precários. A prática odontológica não era regulamentada e era exercida por indivíduos com pouco ou nenhum preparo técnico, como barbeiros, curandeiros, sangradores e boticários. O principal tratamento oferecido era a extração dentária, geralmente feita sem anestesia, em condições insalubres e com ferramentas improvisadas.
Os barbeiros-cirurgiões, trazidos de Portugal, também exerciam funções odontológicas e atendiam tanto aos colonos quanto aos escravizados, mas sem qualquer distinção entre medicina, cirurgia ou odontologia. Não havia formação especializada, e o sofrimento dental era tratado com intervenções dolorosas, quando não com benzimentos ou simpatias populares.
O Império e o Início da Regulação Profissional (1822–1889)
Com a independência do Brasil e a consolidação do Império, a saúde passou a receber maior atenção. O avanço da medicina influenciou também os cuidados odontológicos. No entanto, a prática ainda era realizada por leigos ou profissionais estrangeiros com formação informal.
Um marco importante foi o Decreto nº 9.311, de 25 de outubro de 1884, assinado por Dom Pedro II, que reconheceu oficialmente a odontologia como profissão de nível superior no Brasil. Esse decreto autorizava a criação de cursos especializados e estabelecia os requisitos mínimos para o exercício da profissão. Foi o primeiro passo para a regulamentação e a institucionalização da odontologia no país.
Primeiras Escolas e Formação Acadêmica (Final do Século XIX e Início do Século XX)
O fim do século XIX marcou o início da formação profissional no país com a fundação das primeiras escolas de odontologia. Entre elas, destacam-se:
- Escola de Odontologia da Bahia (1891)
- Faculdade Livre de Odontologia do Rio de Janeiro (1884)
- Escola de Odontologia de São Paulo (1898)
Essas instituições surgiram, em grande parte, por influência de profissionais formados no exterior ou por médicos-cirurgiões que defendiam a especialização da odontologia. Os cursos tinham duração variável, e os conteúdos misturavam disciplinas da medicina com ensinamentos práticos da técnica odontológica.
A criação do Conselho Federal de Odontologia, no entanto, só ocorreria mais tarde, consolidando o controle da formação e do exercício da profissão em âmbito nacional.
A República Velha e o Fortalecimento da Profissão (1889–1930)
Durante a Primeira República, houve avanços na organização da odontologia brasileira. A profissão começou a se distinguir da medicina, ganhando identidade própria. Nesse período, surgiram os primeiros sindicatos e associações de classe, como a Associação Brasileira de Cirurgiões-Dentistas (ABCD), que promoviam debates sobre ética, regulamentação, educação e práticas clínicas.
Além disso, a odontologia começou a se integrar ao sistema de saúde pública, com campanhas de prevenção e atendimento em escolas e instituições. A escovação passou a ser estimulada como medida de higiene básica, especialmente em ambientes escolares.
Regulação e Consolidação Profissional (1930–1960)
O século XX foi o período de maior estruturação legal da odontologia no Brasil. Dois eventos foram particularmente marcantes:
Criação do Conselho Federal e Conselhos Regionais de Odontologia (1965)
A Lei nº 4.324/64, sancionada em 1964 e regulamentada em 1965, criou o Conselho Federal de Odontologia (CFO) e os Conselhos Regionais (CROs), responsáveis por fiscalizar o exercício da profissão, registrar os profissionais e garantir o cumprimento do código de ética. Essa medida colocou a odontologia em pé de igualdade com outras profissões regulamentadas da área da saúde.
Código de Ética Odontológica
Com a criação do CFO, foi possível estabelecer um código de conduta ética, definindo os direitos e deveres dos cirurgiões-dentistas, as normas para atendimento e os limites da prática profissional.
Odontologia no Sistema Único de Saúde (SUS)
Com a criação do SUS em 1988, a odontologia foi incluída de forma mais ampla nas políticas públicas de saúde. Os postos de saúde passaram a oferecer atendimento odontológico básico, e medidas como o Programa Brasil Sorridente, lançado em 2004, representaram um marco na ampliação do acesso da população a tratamentos preventivos e restauradores.
O Brasil se destacou por investir em políticas de fluoretação da água e distribuição de kits de higiene oral. Essas ações tiveram um grande impacto na redução das cáries e outras doenças bucais, especialmente entre crianças.
Avanços Tecnológicos e Científicos na Odontologia Brasileira
A odontologia brasileira passou a se destacar também no cenário internacional a partir da década de 1990, com um aumento expressivo na produção científica, inovação de materiais e formação de especialistas.
Biomateriais e Pesquisa Científica
O Brasil se tornou um dos países com maior produção científica odontológica no mundo, com destaque para áreas como:
- Implantodontia;
- Ortodontia;
- Estética dental;
- Periodontia e cirurgia oral.
Pesquisadores brasileiros têm contribuído significativamente para o desenvolvimento de biomateriais, resinas compostas, adesivos dentinários e técnicas minimamente invasivas.
Tecnologia Digital
Nos últimos anos, clínicas e universidades têm adotado tecnologias digitais, como scanners intraorais, CAD/CAM, impressoras 3D e radiografias digitais. O país passou a formar profissionais aptos a operar dentro dessa nova realidade digital, oferecendo tratamentos mais rápidos, precisos e confortáveis.
Mulheres na Odontologia Brasileira
A presença feminina na odontologia brasileira aumentou significativamente ao longo do século XX. Hoje, mais de 60% dos profissionais de odontologia no Brasil são mulheres, uma transformação que reflete mudanças culturais e a valorização da equidade de gênero na profissão.
Figuras como a professora Marília Buzalaf, pesquisadora reconhecida internacionalmente, mostram como as mulheres brasileiras têm contribuído para o avanço da ciência odontológica no país e no exterior.
O Brasil como Referência Internacional
Atualmente, o Brasil é considerado um dos países mais avançados do mundo em odontologia. Isso se deve à combinação de:
- Excelência na formação acadêmica;
- Acesso a tecnologias modernas;
- Produção científica robusta;
- Presença de milhares de clínicas e consultórios bem equipados;
- Profissionais qualificados com alto nível técnico.
Além disso, o país é um dos líderes na área de turismo odontológico, atraindo pacientes de todo o mundo em busca de tratamentos de qualidade a preços competitivos.
A história da odontologia no Brasil é uma narrativa de progresso contínuo. De uma prática empírica, dolorosa e desorganizada nos tempos coloniais, evoluímos para uma odontologia de excelência, apoiada por bases científicas sólidas, instituições regulamentadoras e políticas públicas voltadas à promoção da saúde bucal.
A profissão de dentista, hoje, é símbolo de competência técnica, responsabilidade ética e contribuição social. Mais do que tratar dentes, o cirurgião-dentista moderno atua na prevenção, no diagnóstico precoce, na estética, no bem-estar e na qualidade de vida das pessoas.
A trajetória da odontologia brasileira continua sendo escrita por milhares de profissionais comprometidos com a ciência e com o ser humano — e que têm feito do Brasil uma referência internacional em cuidado e inovação na área.