A Babilônia, uma das mais poderosas civilizações da Antiguidade, localizada na região da Mesopotâmia (atual Iraque), é frequentemente lembrada por suas contribuições incríveis à matemática, à astronomia e ao direito. No entanto, um aspecto curioso da vida babilônica que desperta a atenção dos estudiosos modernos é a sua abordagem à higiene pessoal – incluindo a higiene bucal.
Mesmo vivendo há mais de 4.000 anos, os babilônicos demonstravam uma preocupação notável com a limpeza dos dentes e da boca, revelando práticas que, de certa forma, antecipavam métodos ainda usados hoje. Neste artigo, vamos mergulhar nas práticas de higiene bucal dos babilônicos, explorando seus costumes, técnicas e crenças em torno da saúde oral.
O Contexto Cultural e Médico da Babilônia
A medicina babilônica era profundamente influenciada pela religião. Os babilônicos acreditavam que muitas doenças eram causadas por forças espirituais ou pela ira dos deuses. Portanto, os cuidados com o corpo, incluindo a boca, envolviam tanto práticas físicas quanto rituais espirituais.
Os escribas babilônicos registraram conhecimentos médicos em tábuas de argila, como as do famoso Código de Hamurabi (cerca de 1754 a.C.), que mencionava aspectos de práticas médicas, inclusive procedimentos odontológicos rudimentares. Embora a odontologia como profissão organizada não existisse, havia curandeiros e sacerdotes especializados que cuidavam de problemas bucais.
O “Chew Stick”: O Antecessor da Escova de Dente
Uma das práticas mais conhecidas dos babilônicos em relação à higiene bucal era o uso do “chew stick” (ou graveto de mastigar). Estes gravetos eram retirados de árvores específicas e tinham propriedades naturais que ajudavam a limpar os dentes e refrescar o hálito.
O método era simples: o babilônico mastigava a ponta do graveto até que ela se desfiasse, criando uma espécie de pequena escova de fibras naturais. Depois, esfregava essa ponta desfiada nos dentes, removendo restos de comida e placa.
Curiosamente, essa técnica continua popular em algumas partes do mundo hoje, especialmente no Oriente Médio e norte da África, através do uso do miswak, que se acredita ter propriedades antibacterianas naturais.
Pó Dentário: A Precursora da Pasta de Dente
Embora não tenham deixado registros diretos sobre o uso de uma “pasta dental”, há evidências de que os babilônicos usavam pós para esfregar os dentes. Esses pós eram compostos de substâncias abrasivas como:
- Cinzas de madeira
- Pó de casca de árvore
- Argila fina
- Areia fina misturada com ervas aromáticas
Esses ingredientes eram esfregados sobre os dentes, muitas vezes usando os dedos ou um pequeno pano, numa tentativa de polir os dentes, remover manchas e reduzir o mau cheiro. Apesar de ásperos, esses abrasivos rudimentares ajudavam na remoção mecânica de resíduos alimentares.
Tratamentos e Crenças Espirituais
Como muitas doenças bucais eram atribuídas a espíritos malignos ou castigos divinos, o tratamento para dores de dente e infecções não se limitava à aplicação de remédios físicos. Frequentemente, incluía orações, encantamentos e oferendas aos deuses.
Um dos textos mais conhecidos da medicina babilônica, o “Tratado de Diagnósticos e Prognósticos”, descreve práticas para tratar dores de dente associadas a demônios. Um procedimento comum poderia envolver:
- Bochechar misturas feitas com óleos medicinais e ervas sagradas
- Realizar rituais para “expulsar” o espírito da dor
- Aplicar emplastros feitos de ervas ou resinas aromáticas diretamente sobre a área afetada
Essas práticas revelam a fusão entre a medicina prática e o misticismo que permeava a vida cotidiana dos babilônicos.
A Dieta e Seus Impactos na Saúde Bucal
A alimentação dos babilônicos também desempenhava um papel importante na saúde dos dentes. Sua dieta era rica em cereais integrais, tâmaras, mel, legumes e algumas carnes. Embora o consumo de açúcares refinados fosse inexistente (o que naturalmente reduz o risco de cáries), o alto consumo de alimentos duros e fibrosos ajudava a limpar mecanicamente os dentes durante a mastigação.
No entanto, restos de alimentos fibrosos e grãos podiam se alojar entre os dentes, tornando necessária uma rotina regular de limpeza manual — algo que os “chew sticks” ajudavam a resolver.
Procedimentos Odontológicos: O Que Sabemos
Embora a prática odontológica não fosse tão desenvolvida quanto em civilizações posteriores, como os egípcios ou os gregos, existem indícios de que procedimentos rudimentares, como a drenagem de abcessos e a extração de dentes severamente danificados, eram realizados.
Esses procedimentos eram, muitas vezes, extremamente dolorosos e arriscados, pois não havia anestesia nem técnicas de assepsia. Muitos tratamentos tinham como objetivo apenas aliviar a dor, e não restaurar a função do dente afetado.
A Herança Babilônica na Higiene Bucal
A influência dos métodos babilônicos de higiene bucal pode ser vista em práticas posteriores de outras culturas. O conceito de utilizar objetos naturais (como gravetos) para limpar os dentes foi transportado para civilizações vizinhas, como os egípcios e os persas.
Além disso, a abordagem de tratar problemas bucais com ervas, óleos e misturas naturais permaneceu popular ao longo da história, atravessando séculos até as práticas de fitoterapia bucal contemporânea.
A higiene bucal na Babilônia Antiga mostra que, mesmo em uma época tão remota, o ser humano já reconhecia a importância da saúde oral para o bem-estar geral. Sem tecnologia moderna ou compreensão científica dos microrganismos, os babilônicos desenvolveram métodos eficazes para manter a boca limpa e prevenir desconfortos.
Seus “chew sticks”, pós dentais e rituais de cura revelam não apenas criatividade, mas também um respeito profundo pelo corpo e pela necessidade de equilíbrio físico e espiritual.
Ao olhar para trás e compreender essas práticas, podemos valorizar ainda mais o quanto a odontologia evoluiu – e perceber que, em muitos aspectos, os princípios básicos de limpeza e cuidado permanecem atemporais.